terça-feira, 21 de junho de 2011

Troca de pele

"Somos aquilo que escolhemos". Repetiu essa frase inúmeras vezes enquanto se olhava no espelho. Ficou a fitar-lhe os próprios olhos por um bom tempo. No reflexo nada havia mudado. Lembrou-se que fazia certo tempo que estava ali, apenas a se olhar. Voltou a lavar o rosto, passou a água pelas mãos e as notou enrugadas. A mão direita passeou levemente pela esquerda, fechou os olhos tentando imaginar que esse gesto estivesse sendo feito por outra pessoa. Não era. Abriu os olhos e sentiu-se envergonhada diante de si mesma. Sorriu com certa amargura, não se convenceu.
Abriu a internet, visitou alguns perfis, reparou em algumas vidas. Contestou a veracidade de uma imagem, contestou a felicidade de alguns sorrisos. Tentou tocar o rosto de algumas dessas pessoas, tentou tocar a si mesma, não conseguiu. Imaginou se existia um outro alguém que fizesse a mesma coisa, é óbvio que não haveria de ter.
Fechou os sites de relacionamentos: notícias. "Veja sutiã que aumenta duas vezes o tamanho dos seios". Não precisava disso, próxima notícia. "Supremo Tribunal Federal aprova casamento entre homossexuais", na foto de capa, nenhum gay, apenas alguma figura importante e engravatada. Pensou na questão, sentiu raiva da foto, pensou no amor e em sua mais linda forma de expressão. Cansou de pensar, cansou de ver esboços de pessoas. Pensou na impotência das imagens e no amor que as pessoas têm por essas.
Voltou ao espelho e ficou a ajeitar uma gravata imaginária; contraiu os lábios de modo nobre; franziu as sombrancelhas; fechou e abriu os olhos. Voltou a ser quem era (dessa vez, sem nobreza nos lábios e sombrancelhas).
Do lado de fora da casa, um barulho: o labrador brincando novamente com o velho pano de chão. Esboçou um sorriso, olhou para fotografia do cachorro que estava em cima da cômoda, sorriu para ela também. Sentiu-se tão vulnerável quanto os perfis da internet, aqueles, amantes da imagem. Pensou melhor, deixou de sorrir para foto, voltou a observar o cachorro.