sábado, 27 de agosto de 2011

26 de agosto de 2011

Duas horas antes de completar 19 anos, deitou a cabeça no travesseiro e pensou. Pensou e chorou. Geralmente seus raciocínios eram sempre acompanhados de lágrimas (não de alegria, não de tristeza. Chorava pela verdade das coisas). Chegou à conclusão que seus 18 anos foram bem vividos. Pensou nas últimas escolhas que fez em sua vida, roeu as unhas e pôde senti-las penicando sua pele no colchão durante a noite. Dormiu de sono.
Acordou no dia seguinte com o despertador programado para as oito da manhã, esticou-se até a cômoda para fazê-lo parar de gritar, mas a tentativa não teve sucesso. Finalmente, levantou-se e desligou o pequeno aparelho eletrônico. Olhou-se, como de costume, para o espelho. Notou que o olho direito estava borrado de rímel do dia anterior, não fez esforço para limpá-lo. Coçou a perna e sentiu um bicho lhe morder a carne. Não era bicho. Era um pedaço de unha da noite passada.
Abriu a porta do quarto, mal colocou os pés para fora dele e pôde ouvir sua mãe dizendo: "Minha vida!", como quem estava esperando a jovem aniversariante levantar para lhe dar um beijo e um abraço pelos anos de vida. O beijo e o abraço foram dados e com eles veio também o choro. Não de alegria, não de tristeza, mas pela verdade das coisas.
Se despediu, entrou no chuveiro, lotou as mãos de xampoo e lavou os cabelos. Esfregou a raíz e as pontas. Repetiu esse mesmo processo duas vezes. Saiu do banho e o notou que o rímel do dia anterior estava mais borrado do que quando acordara. Esfregou os olhos com a toalha, observou-se no espelho, sorriu para si mesma com os olhos murchos e voltou para o quarto.
Recebeu a visita do pai. Um abraço, um beijo e belas palavras.
Já estava na hora de ir para a van que a levaria para universidade. Como sempre, estava atrasada. Não importa o quão cedo acordasse, parecia que o atraso lhe despertava certo fascínio.
Recebeu os devidos cumprimentos dos colegas de trajeto. Não conseguiu dormir a viagem inteira.
Na universidade, a mesma coisa.
- Parabéns! Felicidades! Espero que você continue sendo essa menina maravilhosa.
- Parabéns, linda! Espero que você continue a ser assim, tão radiante.
Na verdade, ela não esperava nada. Aliás, esperava. Esperava não ser sempre a mesma.
Na volta da universidade, voltou calada. Ficou olhando a paisagem de São Paulo, ouvindo música alta. Nem os fones de ouvido impediram que seus companheiros de viagem a ouvissem.
Chegou em casa, mal trancou a porta e já foi se despindo novamente. Estava atrasada. Precisava passar o vestido branco, tirar o esmalte velho das unhas, tomar outro banho, arrumar os cabelos e decidir a cor dos lábios. Rosa ou vermelho?
- Rosa é mais menininha, devia usar vermelho.
Lembrou-se do que sua amiga havia lhe dito quando perguntada sobre essas duas cores. Escolheu o vermelho (Gabriela). Escolheu o sapato mais preto e mais alto, foi encontrar os amigos em um barzinho, como combinado.
Chegou atrasada, depois de dois convidados. Não sentiu-se envergonhada.
- Parabéns! Tudo de bom!
Recebeu também tapinhas nas costas. Pediu uma cerveja.
Os convidados foram chegando e o frenesi aumentando. Estava elétrica. Estava feliz. Estava emocionada. Estava cheia de juventude, não cabia dentro de si. Telefonemas preencheram a ausência de algumas pessoas.
Estava ansiosa para rever uma amiga, em especial. Pâmela Bardella. Estudaram juntas no colégio e fazia meses que não a via. Ela chegou, se abraçaram, o choro rolou. Não de alegria, não de tristeza, mas pela verdade das coisas. O avô dela havia falecido fazia quatro dias. Pâmela contou o quanto a cerimônia de enterro havia sido bonita, com muitas coroas de flores e um grupo musical sertanejo que o avô mais gostava. Pâmela entendeu que até mesmo na tristeza há beleza.
As horas passaram. Uns chegavam, outros iam. Pessoas desconhecidas também apareceram. Alguns foram embora cedo, outros restaram até o último minuto. Quase foram expulsos do bar, que estava por fechar.
Não queria que a noite acabasse. Saiu de carro com uns amigos. Ouvir música alta e dar risada. Cantou Beastie Boys o mais alto que pôde, curtiu a liberdade que a música proporcionava.
Pararam para comer um lanche. Mais risadas. Ela não estava bêbada, estava feliz. Bebera pouco, apesar de ter cantado músicas antigas em voz alta durante a noite toda, o que fez os outros pensarem que estivesse embriagada. Se assim fosse, estava embriagada todos os dias, então.
Voltou para casa, não sentiu-se saciada e não esperava que estivesse. Sempre queria mais, contentava-se com isso. Deitou a cabeça no travesseiro, olhou para o teto, teve flash's da noite que vivera. Pôde sentir ainda algumas das unhas roídas em seu colchão, as tirou de uma vez por todas. Adormeceu. Não de cansaço, não de alegria, não de tristeza, mas pela verdade das coisas.